Acordo entre Mercosul e UE é pouco transparente, avalia professora em evento do IAB

O acordo comercial entre os países do Mercosul e da União Europeia, na avaliação da professora de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso, é pouco transparente, o que dificulta análises definitivas sobre suas vantagens e desvantagens. No evento Soberania nacional e integração regional & Mercosul social, que aconteceu no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) na segunda-feira (11/12), ela apontou que o Parlamento brasileiro, as entidades envolvidas no tema e a própria população não têm conhecimento dos detalhes do texto. “Já na União Europeia, dificilmente o parlamentar não viu a primeira e a última minuta. Isso é muito importante para eles porque eles sabem que existem consequências econômicas, políticas e jurídicas para os seus países. Lá, há uma cultura de examinar. Aqui, há uma total falta de transparência”, criticou. 

Basso afirmou que os vizinhos uruguaios, paraguaios e argentinos também enfrentam o mesmo problema. Além do desconhecimento sobre os detalhes do acordo, a professora destacou que esse tipo de documento não costuma oferecer direito a reservas, ou seja, o Congresso Nacional precisará aprovar ou rejeitar a medida integralmente. “Vamos ter muita dificuldade para aprovar, porque o Parlamento não participou. Ele vai ter que estudar aquilo do início, são muitos capítulos e quase mil artigos – o que vai demandar muito tempo. Ou, talvez não, caso o Parlamento seja pressionado pelo Executivo ou por alguma bancada”, ponderou a palestrante. 

De acordo com a professora, esse tipo de acordo tende a apresentar vantagens mais imediatas para as nações mais ricas. “Para os países em desenvolvimento e os mais pobres, os benefícios virão a longo prazo. Esta é uma razão simples para dizer o porquê o Brasil sempre foi muito cuidadoso em fazer acordos com os Estados Unidos e com a UE”, disse Basso. O presidente da Comissão de Direito e Ciência Política do IAB, Fábio Böckmann Schneider, lembrou que o Brasil tem o maior número de cadeiras do Parlamento do Mercosul, que é um órgão institucional do grupo. “No entanto, o Parlamento não tem a função de legislar; a sua principal função, na verdade, é fiscalizatória do mercado comum”, esclareceu o advogado. 

Na abertura do evento, promovido pela Comissão de Direito da Integração, o secretário-geral do IAB, Jorge Rubem Folena, destacou a importância do encontro: “É muito relevante tratarmos da soberania e da integração regional. Esse tema é um grande desafio, principalmente nos dias atuais”. O vice-presidente da comissão organizadora, Sérgio Sant’Anna, endossou que os interesses dos países da América Latina devem estar em debate para que a população se envolva no tema. “A sociedade civil compreende a importância desses países terem processos que não só promovam o crescimento econômico, como também o crescimento social. Por isso, é fundamental que façamos eventos como este, porque essa é a proposta da nossa comissão e da Comissão de Direito e Ciência Política, que se integrou no projeto”, afirmou. 

O webinar também teve como tema de discussão o Mercosul social, com palestra da presidente da Comissão de Direito da Integração, Elian Araújo, e debate conduzido pelo doutor em História Política Fernando Roberto de Freitas Almeida. Durante o painel, Araújo apontou que a união do Mercosul não está restrita a questões de proximidade geográfica, mas envolve também matérias econômicas, políticas, culturais e sociais. “A dimensão social, especialmente, passou a ocupar um papel importante e o bloco assumiu outro enfoque para aprofundar os processos da integração regional, estabelecendo, portanto, uma agenda social”, explicou a advogada. 

Dentre os avanços de cunho social promovidos pelo grupo, a palestrante destacou que, em 2010, durante a Cúpula Social do Mercosul, realizada em Foz do Iguaçu (PR), foi criado o Estatuto da Cidadania. “Ele representa um avanço normativo ao trazer como diretriz a promoção da livre circulação de pessoas em todas as fronteiras do bloco. Além disso, ele tem ações que visam a alcançar igualdade de acesso ao trabalho, ao transporte, à saúde, à educação e também à defesa do consumidor, que são normatizações importantes nessa zona de livre comércio”, disse Araújo. 

Roberto Almeida ressaltou que os governos dos países do Mercosul têm como preocupação social latente o êxodo de pessoas da Bolívia. “Se considera que o Brasil terá pelo menos dois milhões de imigrantes bolivianos. Boa parte deles está em São Paulo e em trabalhos com condições análogas à escravidão. Isso é grave e vai ter que ser cuidado”, apontou. O debatedor lembrou que a causa estará ainda mais em pauta com a entrada da Bolívia como Estado Parte do Mercosul. A aceitação aconteceu no último mês, quando o Senado brasileiro – o último a votar o caso – aprovou a adesão do país.