Diretor de filme sobre índios de MS é condenado por racismo
Após denúncia do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal em Mato Grosso do Sul condenou o cineasta Reynaldo Paes de Barros à pena de dois anos de reclusão e multa pelo crime de racismo em razão do induzimento e incitação ao preconceito e à discriminação contidos em diálogos e cenas do curta-metragem “Matem…Os Outros!”, por ele roteirizado, dirigido e produzido em 2014.
O filme realizado por Reynaldo Paes de Barros, com uso de R$ 40 mil obtidos por meio do edital Fundo de Investimentos Culturais de Mato Grosso do Sul (FIC/MS), retrata basicamente um diálogo travado entre quatro personagens principais, um casal que dá carona a dois fazendeiros rumo ao município de Sidrolândia (MS).
Durante a conversa, os produtores rurais expõem seus sentimentos em relação aos índios, veiculando ideais preconceituosos e um discurso repletos de ódio étnico, referindo-se aos indígenas com um amplo repertório de termos pejorativos e depreciativos.
Nos minutos finais, a incitação à violência é escancarada. Um dos personagens, que se diz profundo conhecedor do tema, inclusive tendo apresentado tese de doutorado sobre o assunto, sugere que um “banho de sangue” seja a solução para o quadro de conflitos relacionados às terras indígenas.
Ao sentenciar o réu à pena de dois anos de reclusão e multa pelo crime de racismo, a 2ª Vara Federal de Dourados destacou que “o que faz do filme um meio de incitação à discriminação é seu conteúdo, e não o tema abordado”. Haja vista que uma obra artística pode apresentar opiniões, dados técnicos ou críticas comportamentais a determinados grupos sociais, mas devem ser feitos sem a disseminação de ofensas ou discursos discriminatórios.
O MPF recorreu da decisão pois entende que o caso possui circunstâncias peculiares que justificam a majoração da pena. Tal como o fato do filme ter sido patrocinado com recursos públicos e exibido em mostras e eventos da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, com ampla divulgação e reprodução em espaços pertencentes a órgãos públicos, difundindo ideias racistas de maneira mais gravosa. Além disso, o MPF pede a aplicação do agravamento da pena previsto no Estatuto do Índio por se tratar de crime de racismo contra comunidade indígena.
Liberdade de expressão x dignidade da pessoa
Em maio de 2020, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), ao julgar ação promovida pelo MPF, já havia reconhecido o caráter discriminatório do filme e condenado o cineasta ao pagamento de R$ 100 mil por dano moral coletivo às comunidades indígenas. Naquela ocasião, o TRF entendeu que “o discurso transmitido na obra de autoria do Réu propaga uma mensagem dotada de conteúdo que excede aos limites do exercício da liberdade de expressão, impondo-se a responsabilização por sua veiculação, em resguardo à proteção dos direitos fundamentais violados e, em sentido amplo, ao funcionamento de todo o processo democrático”.