PF aponta que conselheiros do TCE/MS blindaram ‘organização criminosa’ em fraude bilionária
STJ autorizou a quebra do sigilo bancário e fiscal dos investigados e, para a Polícia, há indícios de lavagem de dinheiro e de valores suspeitos de origem criminosa
A investigação da Polícia Federal que desencadeou na operação Mineração de Ouro, na terça-feira (8), aponta que os conselheiros do TCE/MS (Tribunal de Contas do Estado), Osmar Jeronymo, Ronaldo Chadid e Waldir Neves estavam corrompidos pela suposta organização criminosa chefiada por João Amorim, sócio da Solurb, em contrato bilionário entre a empresa e Prefeitura de Campo Grande para a coleta de lixo e tratamento de resíduos.
Para a PF, os conselheiros realizaram uma “manobra jurídica” para impedir a anulação do contrato suspeito de fraude, corrupção, desvio de dinheiro público e superfaturamento e proteger os empresários de possível condenação na Justiça. Com a quebra do sigilo bancário e fiscal dos conselheiros a PF acredita que há indícios de pagamentos pela “blindagem”.
Após investigação da superintendência da Polícia Federal em Mato Grosso do Sul que apontava possíveis irregularidades no contrato firmado em 2012 entre a Prefeitura e a Solurb, o, na época, prefeito da Capital, Alcides Bernal, publicou em dezembro o decreto n. 13.027/2016 anulando a licitação e o contrato com o consórcio.
Ocorre que em menos de uma semana, no dia 2 de janeiro de 2017, já na gestão do atual prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad, o conselheiro Ronaldo Chadid concedeu liminar determinando a suspensão imediata do decreto e reestabelecendo a continuidade da prestação de serviços, mesmo com as suspeitas de irregularidades. Em sua justificativa, Chadid acolheu o pedido da defesa da empresa que alegava que Bernal havia infringido o direito de defesa e contraditório, pois o decreto teria sido publicado no final do seu mandato.
Seis meses depois, em junho de 2017, o TCE/MS determinou o encerramento e o arquivamento do processo pela “perda do objeto”, com a justificativa que o decreto n. 13.040/2017, assinado por Trad, possibilitou, sem restrições, o restabelecimento do contrato com a Solurb. Para a PF a decisão foi absurda e inconsistente, pois ignorou as constatações da Controladoria-Geral da União e os elementos de prova que resultaram na anulação inicial.
Ocorre que o contrato também era questionado em ação popular desde 2018 na 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos da Comarca de Campo Grande por supostos vícios no edital da licitação, corrupção e superfaturamento e, de acordo com a investigação da Polícia Federal, com a proximidade do julgamento da ação e de uma possível condenação dos empresários ou anulação do contrato (o que veio a acontecer em 2021), os conselheiros do TCE/MS “reabriram”, em 2019, o processo administrativo modificando a própria decisão de arquivamento e freando o ação na Justiça Estadual.
No documento da PF analisado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e que embasou a ação de ontem, as autoridades policiais descrevem que: “O Conselheiro Ronaldo Chadid confessa que seu voto anterior (que baseou decisão unânime do TCE/MS) nos mesmos autos foi um absurdo jurídico por declarar a perda do objeto do processo em razão do Prefeito Municipal ter cumprido a liminar emitida no mesmo processo. Entendemos que não é possível que todos os Conselheiros do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul possam ter cometido um erro tão absurdo e grosseiro ao concordar com tal voto, de forma que, somado aos demais elementos colhidos, fica claro, a nosso ver, que os Conselheiros do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul estão corrompidos pela organização criminosa que detém o controle do consórcio CG SOLURB. (…) decisão coincide com a apresentação das alegações finais na Ação Popular nº 0818122-25.2017.8.12.001 da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande-MS, na qual o Ministério Público se manifestou pelo cumprimento do Decreto Municipal nº 13.027/2016, ou seja, quando o absurdo cometido pelo TCE/MS possivelmente resultaria em decisão judicial de anulação do contrato entre a Prefeitura de Campo Grande e a CG SOLURB, tudo indica que o TCE/MS realizou uma “manobra” para reabrir o processo administrativo em questão, modificar a decisão anterior e evitar que a ação popular fosse julgada procedente, anulando a contratação bilionária do Consórcio CG SOLURB”.
Na operação Mineração de Ouro foram cumpridos mandados de busca e apreensão em 20 endereços em Mato Grosso do Sul e no Distrito Federal. A ação é um um desdobramento das ações da Operação Lama Asfáltica, e foram autorizadas pelo ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), também determinou quebras de sigilo bancário e fiscal de investigados.
Além da busca e apreensão, o STJ determinou a quebra do sigilo bancário e fiscal de investigados. Para a PF a movimentações financeiras suspeitas, incluindo transações imobiliárias com traficantes. Na operação foram apreendidos mais de R$ 1,6 milhão em notas de real, euros, libras e dólares nos endereços dos envolvidos. Há suspeita ainda de negociação de cargos fantasmas. A reportagem tentou contato com os citados, mas não obteve retorno.